quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Perdi.


Esse ano eu perdi muita coisa.

Tem gente que diz que a gente não perde o que não nos pertencia e que se nos foi tirado, era porque, de fato, não tinha que ser nosso.

Ouvi isso pela manhã, ou seja, agora a pouco.

Essas palavras derrubaram todo o argumento do texto que eu tinha escrito ontem a noite, entre laços de presentes, artesanatos que secavam sobre a mesa, uma pizza e a carinha de curioso do Lucca (e as artes do Lilo, que ontem mesmo comeu uma parte da blusa que eu vestia).

No meu texto eu listei coisas que tinha perdido ao longo de 2009. Tudo absolutamente verdadeiro. Era mais ou menos assim:

- janeiro: perdi clientes na assessoria que trabalhava e a crise econômica mundial batia forte. As empresas passaram a cortar aquilo que era supérfluo e comunicação estava na lista.

- fevereiro: perdi meu emprego deposi de mais de 18 meses de trabalho ininterruptos. Acabaei me desentendendo com a chefia, que via em mim a causa da debandada dos clientes e achava que a crise era, assim, uma marolinha. Ainda em fevereiro perdi a convivência diária dos meus pais, e passe a morar sozinha.

- março: depois de um merecido descanso e do início da adaptação sozinha no apartamento, perdi uma vaga de trabalho em uma grande agência para alguém recém formado. Fui considerada boa demais pra vaga.

- abril: perdi o chão por causa de acontecimentos que precisam de muitos posts para serem explicados. Perdi o sono, perdi o viço, perdi a vontade de continuar, perdi a mão comigo mesma e engordei muitos quilos. Pra ajudar, minha mãe estava fora do país. Também perdi a oportunidade de dar início às atividades da agência que eu e uma amiga querida resolvemos criar. O cliente percebeu que não haveria dinheiro suficiente para o serviço quando já avançávamos nos trabalhos.

- maio: fiquei noiva do Zé e perdi a vontade de levar a vida de solteira que eu sempre levei. Nesse mês minha mãe retornou da sua viagem e eu perdi o medo que tinha dela. Em maio também perdemos a Leda, depois de mais de seis anos lutando contra o câncer.

- junho: perdi o tesão da profissão depois de um trabalho realizado no Rio de Janeiro. O cliente me levou à exaustão em todos os sentidos. Cheguei em São Paulo e perdi o fio da meada com o Zé e daí entramos em crise.

- julho: perdi meu relacionamento de quase 5 anos com o Zé, e a aliança perdeu o sentido na minha mão. Também perdi a sensação de viver dias lindos. No fim do mês perdi a crença em certas pessoas, que são capazes de mentir para se manterem em evidência e passarem por bonzinhos.

- agosto: perdi de vez o interesse peloa minha profissão. Nada dava certo, nada acontecia e fui perdendo, aos poucos, o amor próprio.

- setembro: o mês do meu aniversário me fez perder o orgulho e eu pedi ajuda financeira para meu pai. Outro muro que perdeu seus alicerces foi o da resistência do Zé. Voltamos e as alianças perderam o pó da caixinha que as guardava.

- outubro: eu perdi a paz com um trabalho que, apesar de ter sido ótimo e ter me dado de volta o prazer de trabalhar, me deixou toda atrapalhada. Em duas semanas percorri cinco estados. Perdi a paciência em Brasília, por pouco não perdi o vôo em Belo Horizonte, quase perdi a vida num vôo desastrado para Florianópolis. Também perdi a chance de ser efetivada nessa agência após meus job porque a matriz não tinha "money to pay".

- novembro: perdi a falta de vergonha na cara e parti para a reeducação alimentar e perdi alguns poucos quilos. Mas perdi!!

- dezembro: perdi a saúde e tive crises de amidalite, a tireóide parou de novo, a insônia voltou com tudo. Paralelamente, o Zé foi perdendo a vontade de viver e perdeu a mão de novo em nossa relação. Perdemos novamente a velocidade das emoções - enquanto eu acelerava, ele perdia o torque.


Ainda falta uma semana para o ano terminar, e eu acho que outras coisas serão perdidas também. Porém, a única coisa que eu não perdi foi a fé. Nunca perdi a esperança em realizar meus ideiais.

Acreditando que o amanhã podia ser melhor, e bastava para isso que eu me empenhasse, cheguei na reta final de 2009 mais leve, depois de perder tantas coisas.

Mas no meio disso tudo, ganhei algo que será fundamental para transformar 2010 num ano mágico: a maturidade.

Por isso, hoje eu desejo a todos que percam seus medos, que percam a vergonha e que percam a inércia que os mantem parados. E que vocês não percam nunca o verdadeiro sentido que essa data tem: o renascimento.

Que a paz que eu trago hoje em meu coração alcance todos vocês.

Um beijão e FELIZ NATAL!!


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"Se eu pudesse deixar algum presente a você, deixaria o acesso ao sentimento de amar a vida dos seres humanos. A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora... Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem. A capacidade de escolher novos rumos. Deixaria para você, se pudesse, o respeito aquilo que é indispensável: além do pão, o trabalho. Além do trabalho, a ação. E, quando tudo mais faltasse, um segredo: o de buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída." (Gandhi)


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

E dá-lhe Fabrício!


Não, não estou me referindo a algum paquera novo, nem ídolo de tevê ou da música.

Estou falando de um dos autores que eu mais gosto: Fabrício Carpinejar.

Pra variar, o cara, que sequer sabe que eu existo, contou mais uma passagem da minha vida. E com riqueza de detalhes, o que é pior.

Me vi esmiuçada em seu texto, desnuda e desamparada.

Entendi hoje o sentido da expressão "mal-amada".

Segue o texto:


AUMENTE SUA DELICADEZA ATÉ 28cm


O que leva o homem à impotência é o cuidado.

O que leva a mulher à frigidez é o cuidado.

O excesso de cuidado.

Cuidado demais ataca.

Nunca vi uma mulher ou um homem gostar sem criticar.

O embaraço do sexo não decorre da ausência de intimidade, mas da intimidade. E da cobrança que vem com ela.

Mais fácil gozar com estranhos.

Depois de partilhar meses e cadernos de jornal com nosso par, abandonamos o elogio. Passamos a cobrar e expor os defeitos para que sejam corrigidos. É o cigarro, é a alimentação, é a distração, é o pouco caso com o dinheiro, é a indeterminação do trabalho, é a preguiça.

A convivência traz a preocupação com o namorado ou a namorada e uma esquisita vontade de interferir. Entre conhecer e mandar, é um passo. Ou um tropeço.

As mais duras agressões não provocam hematomas, ocorrem em nome da sinceridade. O amor é confundido com pancadaria. Um teste de resistência. Uma prova de esgotamento nervoso. Se o outro não quer, que vá embora, que desista do prêmio maior que é a confiança.

Há uma visão sádica que não ajuda nem o masoquista. Falta medida. Falta parar e recomeçar o namoro. Falta esquecer e perceber que o próprio passado não é imutável, não existe certo ou errado, que nem tudo por isso é duvidoso.

A eficácia mata o erotismo. O aproveitamento total do tempo do relacionamento não colabora com a vaidade. Custa um agrado antes de transar? Uma meia-luz de palavras? Não estou pedindo para mentir, muito menos fingir, mas falar um pouco bem para acordar os ouvidos e despertar o interesse.

No início, os joelhos são venerados, os ombros recebem moldura de madeira, os cabelos são alisados com a decência de um espelho. As expressões afetuosas vão e voltam, repetidas com diferentes timbres. Todo homem no começo é, ao mesmo tempo, um tenor, um barítono e um baixo. Toda mulher no começo é, ao mesmo tempo, uma soprano, uma mezzo e uma contralto.

Dependendo da região que toca, a voz muda. Com a relação firmada, a excitação torna-se automática. O corpo tem que pegar no tranco.

A devassidão é trocada pela devassa terapêutica. Desculpa e por favor saem de moda. Como existe o trabalho, a casa, o dia seguinte e terminou a paixão (e somente os apaixonados são sobrenaturais e não sentem cansaço), o sexo pode ser mais prático, mais direto, pode até não ser.

Na cama, estaremos falando dos problemas, das contas, do que deve ser mudado na personalidade.

Não encontraremos paciência diante do relógio.

Não vamos procurar cheirar a pele para atrair o beijo.

Eu compreendo perfeitamente quando um homem broxa se a cada instante é lembrado que é barrigudo. Eu compreendo perfeitamente quando uma mulher decide dormir quando sua lingerie nova não foi reparada.

Nunca acusamos quem a gente não conhece.

Julgamos infelizmente quem vive nos absolvendo.


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Não preciso dizer mais nada...

E essa parte da minha vida eu chamo de felicidade.


Acabei de assistir o filme A Procura da Felicidade.

Não tinha assistido antes, embora muita gente havia dito que era bonito, emocionante. Não sei, mas na época o título não me chamou a atenção.

Porém, hoje eu precisava mesmo ter visto cada cena, ter ouvido cada palavra. Guardadas as devidas proporções, é claro, aquilo é quase a história da minha vida.

Pra começar, nasci numa família formada às pressas porque minha mãe estava grávida e meu pai, motorista de táxi naquela época, e cheio de brios, resolveu que casar seria, aquela altura, o mais sensato. Nasci seis meses depois do casamento deles.

Três anos e alguns meses mais tarde, em fevereiro de 1978, meu único irmão nascia também, formando de vez a nossa família.

Historinha comum, eu sei, até porque muita gente tem uma igual ou parecida. Mas o que tinha ali que me transporta à história do filme é um pai obstinado em prover, salvar, dar felicidade à sua família. Mais que isso: dar dignidade à sua esposa e educação aos seus filhos por mais difícil que isso pudesse ser.

E assim foi.

Mas não sem antes passarmos por inúmeros percalsos.

Morávamos de aluguel e meu pai nem sempre tinha o valor inteiro para pagar. Lembro bem das vezes que o sr. Peres, o senhorio, ia até lá em casa e conversava com meu pai e aceitava esperar mais uma semana, dez dias, para o pagamento integral. Eu, meu irmão e minha mãe ficávamos no quarto, aguardando a negociação.

A cara de "está tudo bem agora" do meu pai é algo que eu nunca vou esquecer. Simplesmente porque não estava tudo bem, afinal, ele tinha uma semana para conseguir o que não tinha conseguido em um mês.

E assim seguimos até 1983, ano em que sofri aquele grave acidente (relatado num dos primeiros textos desse blog). Nesse tempo meu pai tinha uma lanchonete, muitas dívidas e uma filha acidentada que precisava de um tratamento adequado. Adequado e caro, diga-se de passagem.

Aliás, lembro bem do Natal daquele ano. A festa foi na casa do meu tio Rubinho, irmão mais novo do meu pai.

Todas as pessoas da rua em que ele morava faziam uma grande festa com comidas, bebidas, brinquedos e um Papai Noel que chegava numa Brasília marrom. Nesse ano em específico, eu e meu irmão tivemos um presente apenas para cada um: eu ganhei uma boneca e o Fábio um carrinho (vou scanear a foto e postar aqui. Aliás, essa foi a minha primeira foto depois do acidente). Era o que meu pai podia dar.

Na virada de ano, ao contrário da festança natalina, tínhamos apenas um frango, salada de alface e arroz branco. E nossas vizinhas do andar de baixo abriram uma espumante e nos ofereceram em copos plásticos coloridos.

E isso tudo ficou gravado na minha memória com cores tão vivas que às vezes me assusto e me pego chorando, emocionada, por lembrar de tantos detalhes (ou porque a tal boneca foi a única coisa material que sobrou daquela época).

No ano seguinte meu pai vendeu a lanchonete e partiu para uma área que ele nunca havia trabalhado, mas alguém, em algum momento, resolveu dar uma chance. E ele soubre aproveitar e acho que nunca mais vi meu pai chorar por causa de necessidades materiais (bem, na verdade ele nunca chorou na nossa frente, mas mesmo sendo criança sabia que certas coisas não iam bem e os olhos vermelhos acabam denunciando aquilo que eu supunha).

E assim foi o primeiro passo para conseguirmos escalar a escadaria da felicidade.

Meu pai foi se dedicando, aprendendo, aprimorando, até que apareceu uma nova oportunidade, na mesma área e em outra empresa. Nesse período ele recebeu um certificado de uma importante empresa de auditoria atestando de que ele era o melhor profissional em seu segmento. Bem, pra quem não fez faculdade e nem segundo grau, aquilo era (e acho que ainda é) um verdadeiro diploma.

Dessa empresa para a que ele está hoje foi um pulo e um grande desafio: montar uma equipe e fazer uma indústria gráfica que só tinha máquinas dar lucro. E lá se vão dez anos.

Ele venceu muitos obstáculos ao longo desses 35 anos.

E apesar de tantos nãos, realizou cada sonho. E na próxima quinta-feira ele vai dar uma bela festa de Natal em sua casa. Ele merece.

Daí que eu me pego olhando todo o meu passado e esse exemplo chamado Roberto e me vejo na mesma situação.

As únicas diferenças é que ele não tinha ninguém pra ajudá-lo e eu tenho meu pai. Mas mesmo assim sinto uma insegurança tremenda a cada passo.

E esse ano está sendo a prova cabal de tudo isso: depois de tantas mudanças, tantas reviravoltas, consigo enxergar que 2009 foi um ano estupidamente difícil, mas maravilhosamente bom porque eu superei muitos obstáculos que apareceram (e apesar de achar que vieram todos de uma vez só, tenho certeza de que outros virão em breve).

Também paguei o preço de cada escolha que fiz.

Ainda estou desempregada, vivendo de minguados freelas. Ainda tenho dívidas, ainda tenho muitas dúvidas. Ainda tenho um orgulho besta que me impede de pedir mais ajuda. Ainda tenho a dignidade de saber que não posso viver sozinha. Jamais!

Ainda tenho muitas batalhas para travar e a maioria é comigo mesma. Ainda tenho que crescer, ou como diz meu pai, comer muito arroz com feijão pra ser gente grande.

Em 2009 perdi gente querida pra sempre, perdi gente que amava, perdi chances, oportunidades de trabalho, oportunidades de ficar quieta, oportunidades de me declarar ou de aceitar uma mão estendida ou ainda um acalanto para um coração que batia em descompasso.

Nesse ano que eu resolvi morar sozinha eu descobri a necessidade que eu tenho de estar perto das pessoas que amo, sejam parentes, sejam amigos, assim como também descobri de que definitivamente não gosto do silêncio, da casa vazia, das coisas arrumadas, como se não tivesse mais vida aqui dentro. E pensar que eu tenho filho e bicho...

Também não gosto de dormir sozinha e acordar sozinha naquela cama de casal - descobri que mais do que ser companhia, eu quero ter uma companhia.

E nesses últimos dias eu também passei a ter a certeza de que se eu não trilhar as mesmas estradas virtuosas do meu pai, ainda assim serei vencedora porque, pelo menos, eu tentei com todo o meu coração e esforço. Tanto é que se eu olhar naquele espelho que a Carla (uma amiga mega-querida) vivia me oferecendo pra eu ver a verdadeira Andréa, vou encontrar alguém que sabe o valor de cada tombo, e a delícia de conseguir levantar, com a certeza de que outras situações ainda virão. E eu vou encarar cada uma delas, sempre com aquele meu sorrisão na cara (minha marca registrada).

E se, como no filme eu tivesse que nomear cada fase que passei, sem dúvidas, essa parte toda da minha vida eu chamaria de felicidade.