sexta-feira, 29 de agosto de 2008

cicatrizes

Ferimentos são portas por onde nossa alma expulsa as dores e mágoas que não nos pertencem.
Já, as cicatrizes são as trancas que guardam o que de melhor sobrou.

Amigos imaginários


Meu filho costuma assistir um desenho que é exibido no canal Cartoon Network, chamado Mansão Foster para Amigos Imaginários.

Trata-se de uma mansão que abriga amigos imaginários órfãos, abandonados por seus donos - crianças que cresceram e que não precisam mais desse artifício.

O local é mantido por uma senhora, Madame Foster, que recebe ajuda de sua única neta e de Mac, uma menino de 8 anos que cuida desses amigos, tendo um em especial - o Blu.

Além do desenho ser divertido mesmo - imaginem as confusões que essa turma causa - me identifico com o enredo.
Não lembro se tinha algum amigo imaginário na minha infância.
Com certeza eu tinha e era só meu (aliás, às vezes eu me pergunto se esse tal amigo não estaria lá na Mansão Foster...).

Mas acontece que a gente cresce e o que era imaginário acaba preterido pelo real. E isso é ciclo mesmo. Passamos a gostar mais daqueles que são de carne e osso e vamos, aos poucos, deixando de lado a imaginação.
Posso dizer que tenho a felicidade de ter acompanhado o crescimento de vários amigos/amigas. Assim como essa turma também me acompanhou: formatura, namorados, gravidez, filho, vitórias, derrotas e muitas, muitas gargalhadas...
Tenho tanta história, em tanto tempo, que costumo dizer que farei bodas de amizade com alguns deles. E isso é realmente importante, afinal vivemos num tempo em que nem os casamentos duram, o que dizer de amizades.

Mas eu tenho amizades verdadeiras, sem interesse, sem cobrança.

Tenho pessoas que fazem parte do meu dia-a-dia, ou, se não estão tão presentes, pelo menos conhecem direitinho a minha história.

E essa semana tive exemplos disso.

Amigas que perceberam minha aflição, que correram pra me segurar, pra me fazer rir com suas palhaçadas, com suas histórias. Amigas que estão sempre lá (ou aqui...), mas que estão e fazem toda a diferença. Amigas e muito mais que irmãs e de longa data, sem dúvidas...

Também descobri outra amiga: uma que me conhece há tempos e que há tempos não me encontrava. Ela estava a minha espera, sabendo que poderia me ajudar com sua sabedoria e amor. Uma amizade resumida num abraço forte pra consolar lágrimas doloridas, um choro sufocado, entre mágoas e alívio, num peito apertado. Um olhar de aprovação e certeza. Um consolo, um conforto. Uma amiga real.

É engraçado como outros amigos sentem de longe a nossa necessidade. Teve uma que me abraçou por email. Outro mandou, durante todos os dias, textos lindos para minha reflexão. Puxou minha orelha também por email, apontando pequenos erros que venho cometendo. Tudo isso sem eu falar nada pra ele. Chamado de alma dificilmente não é atendido. E o meu foi!!

Por fim tenho um amigo perene. Ele vem e vai como a maré. É livre demais para se apegar aos lugares, coisas e ao tempo. Aliás, o tempo dele não é nosso: é só dele. Tem uma alma tão leve quanto liberta, solta. Tem um sorriso de garantia de felicidade, abraço de urso, compreensão de irmão. Vem sem ninguém chamar e some como a fumaça delicada de um insenso, deixando a sensação de que alguma coisa boa esteve por lá. E foi assim que ele fez: deixou uma uma paz imensa em mim.

Por isso, queria agradecer a cada um: Juliana, Diana, Gabriela, Ricardo, Luciana, Carla, Kleber e todos os outros que não podem ser vistos, somente sentidos e percebidos.

Obrigada, de coração mesmo, por me segurarem esta semana.

Obrigada por estarem tão perto, tão presentes, tão ao meu alcance.

E não esqueçam nunca que eu também estarei sempre por perto, seja para gargalhadas, pra enxugar as lágrimas, sugerir um silicone para uma colagem, dar um conselho ou simplesmente para apreciar o aroma de uma presença.

Beijo no coração de todos,

Andréa






quinta-feira, 28 de agosto de 2008

TEMPO EM SUSPENSÃO


inspirado em um texto de Fabrício Carpinejar


Eu não consigo escrever de relógio de pulso, pulseira, anéis.

Aperta, esfria o sangue.

Não é problema com o tempo, é com o braço. Não me tolero amarrada a uma angústia.

Acerto o relógio quando caminho. Não sei parar com ele. Eu sou um relógio de vogais, consoantes, onomatopéias e neologismos.

Mas hoje sentei aqui para redigir seu rosto. Vou por partes, para não me entender mesmo. Sofrer é fazer que tudo tenha sentido: quando tudo tem sentido, nada mais tem...

A alegria é não precisarmos de sentido, afora estarmos juntos. Um com o outro. Um no outro. Um para o outro.

Passo a concluir que a alegria é profunda e a tristeza é superficial.

A tristeza não cansa de ter razão.
Quem tem razão, briga. Busca convencer. Não sairá do quarto sem a desistência da oposição. Já, consolar é concordar, igualando - com infelicidade - as opiniões.

O primeiro que se mostra contrário ao sofrimento não está apoiando.

A alegria é muito mais tolerante. Não pede concordância para continuar existindo.
Diante disso, eu descobri o motivo da separação dos casais que ficam mais de dez anos, mais de quinze anos juntos: a exigência.

Falta-lhes humildade para recomeçar. Tornam-se extremamente exigentes. Impacientemente exigentes. Viveram tanto, com tantas dádivas para comparar que não aceitam menos do que foram.

Quando você me observa, está me comparando comigo mesma, com o início festivo do namoro, com a espontaneidade da casa de praia com o colchão no chão, com o prato de yakisoba, com o copo de coca-cola, com as piadas e histórias sem cessar para não desmerecer sua risada, com o lado direito da cama pra te facilitar a saída.

Você não me observa mais, você me anula diante de todos as mulheres que já fui. Vou pagando empréstimos com empréstimos.

Ainda me procura alinhada, mas sou sua roupa solta pelo sofá.

Cogitava, o que vivemos iria nos ajudar a continuar vivendo, como um reservatório de confiança. Na fraqueza, puxaríamos uma lembrança e logo nos sensibilizaríamos, selaríamos as pazes e diríamos que é bobagem continuar discutindo.

Mas o que ocorre é o inverso. O que nós vivemos nos atrapalha. Nos emperra. Nos empaca.

Como um marcador de página que faz sombra amarela no livro.

Os apaixonados têm mais facilidade em se aceitar do que nós. Porque eles não existiram antes para apontar falhas e descaminhos. Correm com a leitura. Serão receptivos, atentos e esperançosos. Há mais ânsia do que alma.

Não aconselho apagar o que fomos, e sim não repetir, não determinar o que é meu ou seu. Não buscar um insano consenso com o passado, ou uma coerência passiva. Admitir que ambos falharam na vida, mas que é infinitamente melhor do que falhar no amor.

Eu só desejava que você me olhasse como se fosse uma desconhecida. Que me cumprimentasse não sabendo mais nada de mim. Nada, além da vontade de me conhecer.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Por Clarice


Minha alma tem o peso da luz.

Tem o peso da música.

Tem o peso da palavra nunca dita, prestes, quem sabe, a ser dita.

Tem o peso de uma lembrança.

Tem o peso de uma saudade.

Tem o peso de um olhar.

Pesa como pesa uma ausência.

É a lágrima que não se chorou.

Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros...



Clarice Lispector

domingo, 24 de agosto de 2008

Por um momento


Ontem tive um dia cheio.

Acordei mais cedo do qe o habitual para um sábado e fui com o Lucca até o Poupa Tempo para tirar a segunda via do RG, já que ele havia perdido a carteira.

Quando acabamos, decidimos ir andando até o bairro da Liberdade porque ele há muito tempo havia me pedido para ir conhecer.

Dia frio, nublado e nós dois lá, andando pela Praça da Sé, passando pela Catedral, olhando o marco zero da cidade.

Os olhinhos verdes dele não paravam - aquela ansiedade de criança é mesmo contagiante.

Enfim chegamos.

Primeira parada foi no McDonald´s porque ele não quis arriscar ir direto ao restaurante japonês. Depois de sua refeição seguimos andando pelas ruas e lojinhas lotadas.

É incrível como o sangue fala mais alto. O Lucca é neto de japonês. Acho que pertence à segunda geração nascida no Brasil. E ele tem paixão por tudo o que vem de lá. É como um chamado.

Ontem ele se realizou. Dizia que estava na "pátria" dele.

Compramos uma faixa, com dizeres em japonês (claro!!), que ele amarrou na cabeça. Continuamos andando e os japoneses mais velhos olhavam para ele e sorriam, como se soubessem que ele "veio" de lá. Alguns passavam a mão pelos cabelos dele. Me senti orgulhosa.

Quando chegamos ao restaurante que eu havia escolhido veio a catarse...

Aquilo me lembra ChinaTown, Pequim ou Tóquio. Não sei... nunca estive nesses lugares. Mas me senti estrangeira em meu próprio País. Mas isso não me incomodou.

Deixei o Lucca numa mesa próximo ao balcão aonde estava acomodada a comida, peguei meu prato e segui olhando pra ele, sem que ele me notasse.

Com a maior naturalidade ele amarrou novamente a faixa na cabeça e o ritual de japonesinhos sorrindo pra ele continuou. Assim como, com a maior desenvoltura pediu um par de hashis para o garçom.

Voltei para a mesa e ele sorriu para mim e pediu meus sashimis.

Divimos meu almoço.

Pausa para explicar o ambiente: o restaurante é um "quilão" que antigamente só servia comida oriental. Hoje tem até feijoada para matar a fome dos orientais. O salão é muito amplo, mas mesmo assim as mesas são coladas umas nas outras. Há também um senhor - japonês - que se apresenta cantando músicas em inglês, geralmente sucessos americanos açucarados e clássicos. Enquanto caminhava para a mesa ele cantou Raindrops fallin on my head.

Voltando à narrativa...

Separei os sashimis de salmão para ele e deixei os tofus do missoshiro também. Sentamos lado a lado para ele se entender com os hashis. Naquele momento o cantor iniciava Sing in the rain, mais pro estilo do Jamie Cullon do que pro Sinatra e daí eu me emocionei.

Meus olhos encheram d´água e eu calei. O Lucca olhou pra mim e perguntou porque eu estava emocionada. Respondi apenas que impossível descrever o que eu sentia naquele momento e ele talvez não tenha compreendido, mas respeitou meu sentimento e entrelaçou seus dedos com os meus e me abraçou sorrindo.

Se eu pudesse, teria congelado aquele instante. As lágrimas rolaram e pude entender que somente o tempo traz os melhores presentes.

Estar realizando uma vontade dele, ensinando coisas simples, contando histórias complexas e sendo compreendida é fabuloso.

Meu filho é, sem dúvida, o melhor presente da minha vida.

Por isso eu digo e repito a ele todos os dias: obrigada por ser meu filho. Obrigada por ter me escolhido para ser sua mãe.

E, como escrevi em seu depoimento no orkut, reescrevo aqui:


Lucca,

Você é a minha estrelinha-guia!!

Meu norte, meu caminho nem sempre reto, mas simplesmente maravilhoso.

Obrigada por me dar tanto amor, obrigada por ter me escolhido para ser sua mãe, obrigada por ser meu filhinho!!!

Obrigada por me ensinar tantas coisas, obrigada por me fazer sentir viva novamente, por me tornar um pessoa melhor.

Você é o melhor presente que a vida poderia me dar!!

Que a nossa relação seja mais do que somente "mãe-e-filho" e sim que a gente consiga ser cada dia mais amigos e ter cada vez mais confiança um no outro!!

Um beijo da sua maior fã,

Mamãe

Medo de se apaixonar


O texto original é do poeta Fabrício Carpinejar ( http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/), mas eu o adaptei, colocando no masculino. Serve para aquele que, mesmo depois de quase quatro anos, ainda tem medo de se apaixonar...


Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumado. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dela em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observad0 em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhado com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas.

Medo de ser engolido como se fosse líquido, de ser beijado como se fosse líquen, de ser tragado como se fosse leve. Você tem medo de se apaixonar por si mesmo logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser o último a vir para a mesa, o último a voltar da rua, o último a chorar. Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar à ela, de ser roubado e pedir de volta. Medo de que ela seja uma canalha, medo de que seja uma poetisa, medo de que seja amorosa, medo de que seja uma pilantra, incerto do que realmente quer, talvez todas em uma única mulher, todas um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ela morda os lábios e prove o seu sangue. Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza.

Medo de que ele seja a mulher certa na hora errada, a hora certa para a mulher errada. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ela inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ela com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dela. Medo de que ela seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ela não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ela se vire para não dormir, que ela se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugado como se fosse pólen, soprado como se fosse brasa, recolhido como se fosse paz.

Medo de ser destruído, aniquilado, devastado e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser antecipado e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dela, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigos. Medo de que ela não precise de você. Medo de ser uma brincadeira delaaquando fala sério ou que banque o séria quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de não ser convincente na cama, persuasivo no silêncio, carente no fôlego. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dela.

Medo de soltar as pernas das pernas dela. Medo de convidá-la a entrar, medo de deixá-la ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucado, ferido, agredido. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ela por perto, dos bares e das baladas sem ela por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinho. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinho. Você tem medo de já estar apaixonado.