quinta-feira, 28 de agosto de 2008

TEMPO EM SUSPENSÃO


inspirado em um texto de Fabrício Carpinejar


Eu não consigo escrever de relógio de pulso, pulseira, anéis.

Aperta, esfria o sangue.

Não é problema com o tempo, é com o braço. Não me tolero amarrada a uma angústia.

Acerto o relógio quando caminho. Não sei parar com ele. Eu sou um relógio de vogais, consoantes, onomatopéias e neologismos.

Mas hoje sentei aqui para redigir seu rosto. Vou por partes, para não me entender mesmo. Sofrer é fazer que tudo tenha sentido: quando tudo tem sentido, nada mais tem...

A alegria é não precisarmos de sentido, afora estarmos juntos. Um com o outro. Um no outro. Um para o outro.

Passo a concluir que a alegria é profunda e a tristeza é superficial.

A tristeza não cansa de ter razão.
Quem tem razão, briga. Busca convencer. Não sairá do quarto sem a desistência da oposição. Já, consolar é concordar, igualando - com infelicidade - as opiniões.

O primeiro que se mostra contrário ao sofrimento não está apoiando.

A alegria é muito mais tolerante. Não pede concordância para continuar existindo.
Diante disso, eu descobri o motivo da separação dos casais que ficam mais de dez anos, mais de quinze anos juntos: a exigência.

Falta-lhes humildade para recomeçar. Tornam-se extremamente exigentes. Impacientemente exigentes. Viveram tanto, com tantas dádivas para comparar que não aceitam menos do que foram.

Quando você me observa, está me comparando comigo mesma, com o início festivo do namoro, com a espontaneidade da casa de praia com o colchão no chão, com o prato de yakisoba, com o copo de coca-cola, com as piadas e histórias sem cessar para não desmerecer sua risada, com o lado direito da cama pra te facilitar a saída.

Você não me observa mais, você me anula diante de todos as mulheres que já fui. Vou pagando empréstimos com empréstimos.

Ainda me procura alinhada, mas sou sua roupa solta pelo sofá.

Cogitava, o que vivemos iria nos ajudar a continuar vivendo, como um reservatório de confiança. Na fraqueza, puxaríamos uma lembrança e logo nos sensibilizaríamos, selaríamos as pazes e diríamos que é bobagem continuar discutindo.

Mas o que ocorre é o inverso. O que nós vivemos nos atrapalha. Nos emperra. Nos empaca.

Como um marcador de página que faz sombra amarela no livro.

Os apaixonados têm mais facilidade em se aceitar do que nós. Porque eles não existiram antes para apontar falhas e descaminhos. Correm com a leitura. Serão receptivos, atentos e esperançosos. Há mais ânsia do que alma.

Não aconselho apagar o que fomos, e sim não repetir, não determinar o que é meu ou seu. Não buscar um insano consenso com o passado, ou uma coerência passiva. Admitir que ambos falharam na vida, mas que é infinitamente melhor do que falhar no amor.

Eu só desejava que você me olhasse como se fosse uma desconhecida. Que me cumprimentasse não sabendo mais nada de mim. Nada, além da vontade de me conhecer.

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