terça-feira, 30 de outubro de 2007

A tal da saudade


Ontem quando postei sobre minha sensação de paz, quis ilustrar o texto com uma foto tirada lá em Ilhéus, na fazenda São Pedro.


Escolhi uma da sede, com o rio Almada na frente, impondo sua força e vida, num dia que estava levando tudo rio abaixo.


No início da ponte dá pra ver dois homens e um cão (pra quem clica na foto a imagem é melhor). Duas figuras maravilhosas que fizeram da minha viagem uma aula sobre o que é vida.


Daí, hoje fiquei olhando para essa foto o dia todo e suspirando de saudades.


Bem, pra quem sabe dessa minha aventura deve estar se perguntando: mas saudade de que, meu Deus??


Saudades da paz daquele lugar, saudades daquela gente forte, decidida, tão disposta a superar os obstáculos da vida e que me recebeu com tanto carinho.


Saudades daquele rio, com sua correnteza tão bruta e ao mesmo com tanta vida.


Saudades da ponte cheia de "baronezas", do acarajé da pracinha, da estrada com cheiro de chocolate, do cacau colhido no pé.


Não há um dia em que eu não pense em Dom Helder.


O lugar que estou me referindo tem esse nome em homenagem a Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda que sempre priorizou a educação.


Essa comunidade fica na estrada que sai de Ilhéus e sobe sentido Itabuna, já bem perto de Uruçuca. Deve ser uns 50 minutos de carro do centro de Ilhéus.


Bem na rota do cacau.


No dia em que cheguei lá havia chovido muito, o rio Almada estava revolto, agitado. Tinha derrubado a única ponte de travessiva de pedestres que liga Banco do Pedro (a pracinha e centro comercial do lugar) à sede da fazenda.


Atravessei para o outro lado andando por cima de um tronco, com o Almada feroz logo abaixo, segurando em Nêgo Gil que, com a maior paciência do mundo, me tranquilizava a cada passo.


A recompensa da perigosa travessia veio em forma de sorrisos e de uma calorosa recepção.


Me senti princesa, querida, aguardada. Como se minha presença ali fosse de suma importância. E pensar que eu estava molhada, cheia de lama, assustada com a minha travessia. Mas fui tão bem recebida...


O abraço da Bernardete, o sorriso desconfiado do Guiga, a alegrida da Fabrine e de seu bebê (que deve estar uma mocinha!) e todos os salamaleques do Paulo.


Fui lá a trabalho, certa de que iria ensinar aos "assentados" da comunidade dicas de como falar com a imprensa e de como se referir a um dos parceiros do projeto.


Quebrei minha cara...


Aprendi, dia após dia, que quem precisava de mais conhecimento ali era eu. E não o conhecimento dos livros. Falo do ensinamento passado por gerações, dos segredos de cura por meio da natureza, de cultivo de plantas e alimentos, do respeito ao meio ambiente e aos antepassados. Isso tudo nasce com eles lá naquelas bandas, naquelas matas.


Materialização de orixás e guias, aquela gente mostrou à "Galega de São Paulo" um mundo só visto no Globo Repórter ou nas Discovery´s da vida.


E eu, dentro da minha humildade e silêncio, ouvia cada depoimento à equipe de filmagem sem precisar abrir a boca para nada. A não ser para agradecer a Deus a oportunidade de estar ali.


E a todo momento ia descobrindo mais janelas em minha alma. Enxergava cada cena como se fosse a última. Sugava a energia daquele lugar para mantê-la comigo até a próxima vez que pisasse lá.


Até que chegou a hora da despedida. Com direito a bênçãos dos guias e agradecimento dos orixás.


Saí de lá benta, pura, renovada.


Com energia suficiente para encarar este ano todo, já que ainda não tive chance voltar lá.


Toda semana olho meu álbum e penso em cada partezinha de Dom Helder: sede da fazenda, a ponte de concreto, a ponte da antiga ferrovia com suas dormentes do início do século passado, a pracinha de Banco do Pedro, no flamboiant bem na entrada da comunidade, no rio Almada e na mata, com suas orquídeas escondidas e tão belas.


Penso no Guiga e sua história de vida, no Jaíson e na Marinalva que, como Dom Helder Câmara, levam a educação e conhecimento aonde sequer podemos imaginar. Penso na Bernardete e no Moa e na parede da casa deles, cheia de símbolos da luta pela igualdade e na luta de ambos para sustentar e perpetuar aquela comunidade. Penso da capela de Nosso Senhor do Bonfim toda pintada de verde. Penso em Nêgo Gil e no seu sorrido bondoso, nas crianças da vila, nas casinhas coloridas, no refrigerante servido tão sem cerimômia na casa de Cremilda, como se eu fosse uma irmã que há muito não aparecia por lá. No acarajé oferecido pelo orixá de dona Laura e na alegria daquele povo que festeja os domingos como um dia santo.


Meu coração fica apertando diante de tantas lembranças e eu choro toda vez que me transporto para lá. Preciso voltar urgentemente...


Talvez pra consentir com a frase de Jaíson, durante um "click" de foto, num momento de descontração: "Sonhos só se tornam realidade quando juntamos nossas mãos na mesma tarefa".


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"Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver."
Dom Helder Câmara

2 comentários:

Di Valente disse...

O que sei é que temos muito ainda que aprender nessa vida.
Muitas vezes achamos que sabemos tudo, mas na realidade, não sabemos nada !
Bjs

Robson Schneider disse...

Andréa
talvez o segredo deles esteja em apenas sonhar-sendo não?! queria aprender isso...
Bjo