Depois de anos de espera, ela decidiu que precisava tomar uma decisão.
Levou uns dias digerindo a idéia, mas, por fim, cedeu aos impulsos e ligou. O número do celular já não era mais aquele.
Fez um esforço enorme para lembrar o telefone da residência e, como não conseguiu, voou para casa a fim de procurar o tal número. Ligou, pediu por ele e ouviu que estava trabalhando e só chegava por volta das 20 horas. Ainda era 18h30...
Esperou o tempo passar e, às 20h10 ligou. Ele atendeu. O mundo parou. Ela ficou muda.
Tom de surpresa de um lado, felicidade indisfarçavel do outro. Ela parecia uma menina diante de uma loja de bonecas. Ele foi extremamente gentil.
Combinaram de se ver naquela semana para por a vida em dia.
O encontro foi um pouco protocolado, a princípio. Mas depois, os anos de amizade e de cumplicidade vieram à tona e, na hora de se despedirem, ele arriscou um beijo. Um beijo, meu Deus - ela pensou!!!
Foi para casa aos pulos, o coração aos solavancos. Ele reacendera tudo o que ela havia lutado para apagar.
Mas por quê mesmo ela quis apagar uma história tão bonita??
Na época em que se conheceram - há mais de dez anos - ele ainda era um menino. Nem tinha barba direito, muito menos trabalho, profissão. Curtia a vida treinando seu esporte favorito.
Era um menino adorável. E lindo. E muito querido. Mas era um menino, sem compromissos com ninguém.
Vivia esquecendo dos encontros, dava canos homéricos nela, depois pedia desculpas e ela, cheia de carinho por ele, cedia e perdoava.
Até que um dia ela se cansou disso tudo e sumiu. Sem dar satisfação, sem um telefonema, um aviso. Simplesmente sumiu - tal como a fumaça de um insenso.
Anos se passaram e um dia ela o procura novamente. Ele estava namorando sério, havia bem uns dois ou três anos. Conversaram, se viram rapidamente, e ela, conformada com o destino, tentou esquecer o moço.
Até que, passados mais uns três anos, sonhou com ele. Teve um sonho tão real que jurou que havia escutado sua voz a chamando. Acordou assustada, pensou mil bobagens, se preocupou: será que havia acontencido alguma coisa? Afinal eles sempre tiveram uma ligação forte em pensamento.
Não conseguiu dormir.
Passou uma semana ensaiando para ligar. Havia esquecido as coisas ruins que ele a fizera sentir. Precisava vê-lo, abraçá-lo, tê-lo junto de si. Não conseguia distinguir se o amava ou se tinha apenas uma grande amizade, um carinho enorme por aquele menino.
Quando se encontraram, depois do telefonema dela, teve a certeza de que eles ainda tinha aquela ligação. Suas mãos suavam e o sorriso dele não cabia em seu rosto.
Ficou olhando cada detalhe daquele menino que tinha se transformado em um homem lindo.
Ele cresceu, ela pensou.
Passaram a se falar quase todos os dias: ele ligava sempre dizendo que queria vê-la e ela, cheia de esperanças, bem que tentava disfarçar, mas acabava cedendo.
Só que raramente se viam. O trabalho dele tomava muito de seu tempo. Em sua agenda não havia sábados, domingos, feriados. Em seu dicionário não havia o verbete "folga".
E se passaram mais alguns meses até que combinaram de sair uma sexta-feira. Finalmente iria dormir com ele, abraçada, grudada. Dessa vez cederia a todos os impulsos, afinal, como ele mesmo vivia dizendo, dessa vez era pra valer.
Combinaram tudo direitinho. Ela se arrumou, pôs um lingerie sensusal (ele merecia esse presente) e foi fazer hora na casa de um amigo para conter a ansiedade.
De repente o telefone toca e ele avisa que vai rapidinho até a casa da irmã dele buscar sua mãe e que já estava voltando.
Fez mil gracinhas no telefone, foi gentil.
Por um momento seu coração ficou paralisado e ela sentiu medo.
Ele ligou novamente, já um pouco atrasado, dizendo que estava saindo de lá.
Ela acreditou.
Voltou a falar com ele na terça-feira, indignada com o cano.
Ele, como sempre pediu desculpas e pôs a culpa na mãe, na irmã, no horário. Acabou se atrasando, chegou muito tarde e não quis incomodá-la.
Ela, por sua vez, deu uma desculpa para o amigo, disse que precisava ir para o tal encontro e foi pra casa.
E, como se nada tivesse acontecido, continuaram a se falar diariamente.
Ela estava certa de que precisava admitir que o amava. Mas como fazer isso mesmo depois de tantos anos? Ele iria acreditar?
Ponderou que não, que ia continuar naquela lengalenga até ele tomar uma atitude.
Mas seus ímpetos de mulher decidida haviam voltado e, num súbito desejo, ligou para ele em plena terça-feira à tarde, a caminho de uma importante reunião com o presidente da companhia que travabalhava.
Ele a atendeu prontamente de se encontraram em frente ao escritório dele.
Ela, morrendo de vergonha do que tinha acabado de fazer, cedeu tudo o que pode. Quebrou protocolos, passou por cima de preconceitos e aproveitou. Admitiu para si mesma, ali, que ainda o amava sim!! E que ele era o que ela, de fato, sempre quis.
Chegou atrasada à reunião, mas tinha um sorriso tão largo no rosto que nem deram conta da meia hora perdida.
Para coroar, ele ainda ligou à noite e combinaram um cineminha para aquela semana ainda.
Na quarta-feira se viram novamente. Ficaram juntos, abraçados dentro do carro ouvindo algumas músicas que ela havia gravado pensado nele: as bandas que gostavam, as músicas que foram trilhas sonoras de histórias dos dois juntos.
Na hora de ir embora ela ficou calada, olhando ele se arrumar. Ele estava de moto e o ritual de colocar luvas, protetor para o rosto, capacete foi lento, como se ele também não quisesse ir ou como se precisasse dizer mais alguma coisa. Silêncio entre os dois - olhos nos olhos apenas.
Ela congelou aquela imagem dele, olhando firmente para ela.
Foi a ultima vez que o viu.
Aquela semana se arrastou. Não teve cinema porque o trabalho dele não deixou, mas, ainda assim, se falaram até antes de dormir.
Na sexta-feira ela não trabalhou a tarde toda. Não conseguia se concentrar, Inventou uma desculpa e pediu para sair mais cedo e foi se arrumar. Tinha certeza de que o tão esperado encontro seria incrível.
Cuidou de cada detalhe: a roupa, o sapato de salto alto e fino, o lingerie, creme esfoliante durante o banho, perfume novo, maquiagem nova, cabelo arrumado. Nada perua - isso não fazia seu estilo.
Se arrumou agradando a si mesma e não ao outro. Ela era inteira naquele momento. Completa. Feliz. Era a mulher mais linda, mais segura, mais forte. Era também menina, adolescente, a espera do príncipe... que não veio novamente.
Olhou o relógio e se viu sozinha dentro de casa.
Perdeu a paciência e ligou. Caixa postal. Passaram alguns minutos e ligou novamente. Ligou umas quatro vezes e ninguém atendia.
O que teria acontecido?, pensou. Imaginou um chamado do trabalho, imaginou coisas ruins. Será que ele sofrera alguma acidente?? Tentou mais uma vez e, diante da voz do atendimento eletrônico da caixa postal do celular, deixou um recado seco, brava.
Meia hora depois recebeu um torpedo avisando que ele ouvira sua mensagem. "Agora ele vai ligar", pensou.
Nada.
Silêncio.
Passou a noite acordada.
Viu tevê até alta madrugada.
Dormiu cansada e agarrada à esperança como se fosse criança grudada nos braços da mãe.
No dia seguinte tinha um compromisso em outra cidade.
Enrolou até não poder mais e foi. Morta de sono, de raiva. Mas mortificada mesmo de tristeza.
Tentou falar com ele no fim da tarde, certa de que tinha acontecido alguma coisa grave.
Ele simplesmente não atendia o telefone. Deixou mais um recado, com voz embargada, pedido um retorno, uma satisfação.
Recebeu outro torpedo confirmando o recebimento de sua mensagem.
Aguardou meia hora com o celular nas mãos, cheia de esperanças, lembrando de tudo o que ele falara na terça e na quarta-feira. Aquilo não podia ser mentira. Não tinha mentira em seus olhos.
Havia tanta certeza, tanta verdade, tanto carinho. Ela não podia estar louca... e não estava.
Quando se deu conta de que meia hora havia passado, teve vontade de atirar o celular longe, esmurrar o carro, chutar o poste.
Saiu dirigindo como uma louca, desafiou carros, motoristas e pedestres.
Se perguntava a todo momento o que teria acontecido, de novo, com ele, o que ela tinha feito de errado dessa vez. E, como não conseguia encontrar respostas, chorou.
Chorou forte, soluçou. Nada aplacou sua tristeza, sua raiva.
Desceu do carro e se deu conta de que a música que eles mais gostavam estava tocando. Doin´time.
Entrou novamente no carro, trocou a rádio e, dessa vez tocava Don´t wait too long.
Decidiu esquecê-lo para sempre. De vez.
Se apegou ao refrão da música, se encheu de forças e seguiu adiante.
Mesmo ainda com aquela imagem dele pondo o capacete e o gosto na boca do seu último beijo.
Maybe I got a lot to learn
Time can slip away
Sometimes you got to lose it all
Before you find your way
Take a chance, play your part
Make romance, it might brake your heart
But if you think that time will change your ways
Don't wait too long