terça-feira, 27 de outubro de 2009

Meritocracia e o reflexo.


A escola do meu filho (Colégio Delta) propos uma gincana para arrecadar prendas para sua festa junina: a classe que levasse mais ítens ganharia um passeio.
Pelo terceiro ano consecutivo, a classe dele levou o prêmio.

Isso é um exemplo clássico de meritocracia - um conceito que se baseia no mérito, ou seja, na competência de cada um, na capacidade de cada um. Aliás, existe até aquela frase lugar comum "cada um tem aquilo que merece", que ilustra tão bem essa teoria.

Porém, a escola do meu filho, que quis usar esse método tão moderno, escorregou na aplicação do mesmo. É que somente as crianças que levassem prendas poderiam ir no tal passeio. De trinta e uma crianças, seis ou sete foram privadas, segregadas, proibidas de ir. Lembrando aqui que os alunos da classe do Lucca tem nove anos de idade apenas.

Quando soube da história, fiquei muito incomodada em saber que escolhi uma instutuição de ensino que pratica o famoso "faça o que eu digo, e não o que eu faço". Porque, em se tratando de crianças, a inclusão é fundamental para a aprendizagem plena. Passei a considerar a hipótese de que o Colégio Delta está se transformando numa instituição financeira, cujo ensino, que era pra ser a cerne da questão, ficou em segundo plano.

Devo admitir que o Lucca não levou prenda e eu, que assinei o bilhete na agenda dele que continha o tal item absurdo (da privação do prêmio a quem não levasse prendas), não me atentei ao fato.

E sabem por quê? Porque naquelas semanas eu estava vivendo um inferno na Terra - minha mãe estava fora do País, eu estava procurando emprego, passando por uma fase financeira péssima, e a Leda foi internada no dia que veio o maldito bilhete.

Pra quem segue meu blog sabe da saga que foi a doença da Leda e o desfecho triste que a história teve. Pra quem não sabe, ou não lembra, foi mais ou menos assim: depois de lutar incessantemente, por seis anos ininterruptos, contra o câncer (que começou no seio, passou pelo útero e ovários, subiu para o estômago, chegou no pâncreas e, depois atingiu uma área entre o rim e o intestino), ela teve complicações glicêmicas e foi internada no dia 13 de maio deste ano.

No dia 31 de maio ela faleceu.

Nesse meio tempo, enquanto a escola recolhia prendas, eu revezava com o Zé a vigília no hospital e ainda procurava emprego, tanto que consegui um freela, e iniciei meu trabalho no dia 25 de maio.

Ou seja, eu nem lembrei das prendas mesmo, e admito que errei nesse ponto. Falta de atenção total da minha parte. Detalhe: a escola sabia do que estava acontecendo porque eu conversei com a professora do Lucca e ele avisou a mesma do falecimento da sua "Vó Leda".

Só para concluir a história, a festa junina foi no dia da missa de sétimo dia da Leda e eu e minha mãe comparecemos no evento apenas para prestigiar a dança do Lucca (que foi horas antes da celebração), sendo que ele não brincou com nada e não levou sequer uma prenda para casa. Mas pagamos as rifas - o talão completo - que funcionavam como entrada.

Por isso, essa semana, quando soube do fato, me perguntei se era preciso punir o Lucca e seus amigos com a privação do passeio (que acontecerá amanhã, dia 28). Indignada com os critérios da meritocracia aplicados, escrevi um bilhete, perguntando se a escola sabia dos motivos pelos quais as seis crianças não levaram prendas. E emendei uma pergunta sobre os valores que a escola quer transmitir aos seus alunos.

Bem, o bilhete foi lido e assinado pela coordenadora pedagógica no mesmo dia (quinta-feira passada) e uma promessa de resposta foi garantida por ela. Hoje já é terça-feira e nenhuma resposta veio para aplacar a minha necessidade de explicações.

Porque, afinal, estamos falando de educação em uma instituição de ensino. Que diabos de exemplos são esses que estão sendo passados para essas crianças? Que valores serão assimilados por elas? Não teria sido mais fácil chamar os pais "desatentos", ou "ocupados" para perguntar se eles aceitariam pagar o ingresso do tal passeio? Eu pagaria numa boa porque sei que não cumpri com o estipulado, mas ficaria feliz porque a escola encontrou uma forma de incluir aqueles que foram "prejudicados" pelos seus pais.

Já disse aqui que quero que meu filho se torne um cara legal, com valores, moral, respeito por tudo e por todos. Quero que ele entenda a necessidade da justiça e sua aplicação como tal. Aqui em casa não existe a tal meritocracia porque acredito que o entendimento das coisas por parte do Lucca seja o melhor meio para alcançar um resultado satisfatório. Afinal, ele não é o cãozinho desobediente que aprende a buscar a coleira só porque vai ser recompensado com um petisco.

Aqui em casa se ensina que a vida é muito mais que isso. O Lucca assistiu o exemplo da Leda, que lutou com todas as suas forças até o fim contra uma doença maldita que a venceu. Aqui se ensina que às vezes, por mais corretos que sejamos, nem sempre vencemos, mas que é fundamental jogar limpo porque temos consciência dos nossos atos. E se fizermos algo de errado, ela certamente pesará.

Há muito tempo venho percebendo que as escolas se preocupam cada vez mais em fornecer o ensino pedagógico porque, claro, educação se dá em casa. Mas as instituições se esquecem que exemplos são dados diariamente por meio das atitudes de seus funcionários - professores, faxineiras, coordenadores, diretores, administrativo, etc.

Ou vai dizer que o troca-troca de professores (de inglês, no caso da escola do Lucca) não é um sinal de que algo está estranho? Ou ainda, como quando a lancheira do Lucca sumiu dentro da escola e ninguém fez nada por isso? Detalhe: a lancheira era novinha, e tinha todos os contatos do Lucca marcados com caneta nanquim. A reposta que obtive foi de que seria impossível a escola arcar com a resposição da mesma porque não dava para pagar por cada coisa que sumisse.

A lancheira me custou quase R$50,00. Depois desse episódio, convencer o Lucca a levar o lanche foi uma tarefa nada fácil.
Ainda acredito que virá alguma resposta do Colégio Delta. Mas tenho pra mim que estará calcada no princípio da transparência, e todo esse discurso que só serve pra encher apresentação de power point e impressionar cliente. Uma pena. Porque o que é transparente não se vê, não se toca, não se assimila (até mesmo o ar, que é trsnparente, é sentido quando respiramos). E isso com crianças não funciona.

Eu prefiro o conceito do reflexo, porque sei que meus exemplos reais serão aproveitados por inteiro. Porque eu não escondo do meu filho o jogo da vida - o tenta, cai, levanta, vence ou perde. Tomara que outros pais pensem assim também. Tomara que educadores, um dia, pensem assim também.

Tomara que, por fim, consigamos mudar o rumo dessa estrada para vermos, assim, uma geração consciente de suas escolhas para si mesmo e para com o próximo. Sem esquecermos que um dia o "próximo" pode ser ele mesmo. E daí, como será?

"É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca." (Dom Hélder Câmara)

2 comentários:

Robson Schneider disse...

Ei Andrea! olha eu cada vez defendo mais o fato de que a base estrutural de nossos filhos é em casa mesmo viu... ainda bem que eles tem pra onde correr né?!
Bjos e saudades


Sumi geral mesmo!

Francisco disse...

Oi minha amiga!
Absurdos assim, é que nos fazem questionar os verdadeiros valores que as escolas têm, e "querem" passar aos alunos.
Aproveito para convidá-la a visitar o blog que eu e a Cris temos agora.
http://elaeraeueueraela.blogspot.com
O "Banheiro" está interditado por tempo indeterminado! rsrsrs
Contamos com você!
Um beijãozão!