quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A espera do adeus.


Hoje ela ia fazer um jantar para mim.

O cardápio era o meu preferido: arroz, feijão, bife à milanesa, salada de alface, batatinha frita. Aliás, esse foi o mesmo menu do meu aniversário, quando ela fez um almoço surpresa pra mim e chamou pessoas queridas para compartilhar o momento.

Hoje eu ia sair do escritório no horário, ia voar pra casa dela, ganhar carinhos, cafunés, afagos, íamos conversar, falar no meu trabalho novo, falar do Lucca - que é a paixão dela - e eu ia contar as peripécias do Lilo, que comeu duas blusas minhas.

Na hora de ir embora eu ia pegar nas mãos dela e lhe dizer o quanto eu a amava. Como sempre.

O meu jantar foi cancelado na última quarta-feira, quando a minha avó foi internada após um infarto. Daí que se seguiram mais dois, arritmias, falência de um pulmão, de um rim, sedação, e ela não voltou mais, entrou em coma.

Acredito que em poucas horas ela vá embora em definitivo. Porque aquele corpo que está lá, cheio de fios, tubos, catéteres não é mais a Vó Nora. Não a minha Vó Nora!

A minha avó se levantaria dali, resmungando, é claro, mas iria passar um café bem forte pro Vô Mello e pra mim, e ia fazer bolinhos de chuva e depois sentaria comigo e riria das minhas bobagens. A minha Vó Nora ia me abraçar bem apertado e eu ia sentir o cheirinho dela e alí, no seu colo, eu estaria bem protegida. E o Vô Mello sorrira confortado por saber que não existe amor maior do que o nosso.

Ou melhor, existe sim.

O amor dos dois é o maior amor do mundo: são 65 anos de casados, completados em julho passado, mais os tais dois anos de namoro. Nunca vi os dois discutirem, nunca ouvi um palavrão, uma picuinha. Na matemática da vida em que a soma de dois resulta em um, eles se fundiram.

Por isso, a minha preocupação agora é ele. Porque uma parte dele está morrendo e, no alto de seus 89 anos, ele não vai ter mais quem passe seu café forte logo após o almoço. A conversa da noite, diante da tevê, será um monólogo. Pra quem ele vai fingir que é surdo, só para que ela falasse bem perto de seu ouvido??

Os doces, os presentes, o carinho, vai pra quem agora?? Não valerá mais a pena comprar o Estadão de domingo porque o Suplemento Feminino vai ficar jogado num canto.

Eu estou perdendo a minha avó. Ele está perdendo a razão de viver.

Não posso ser injusta e sei que a missão dela está chegando ao fim. Ela viveu por quase 86 anos (seu aniversário seria em 18/2), uma vida boa, sem privações severas, ou problemas insolúveis. Passeou, viajou, conheceu lugares legais. Teve quatro filhos, sendo que a mais velha morreu no parto. Dos outros três filhos, ganhou seis netos e quatro bisnetos. Sou a neta mais velha e mãe do bisneto mais velho. Ela amava a todos, mas eu, sem modéstia nenhuma mesmo, era sua paixão. Quando o Lucca nasceu, perdi o meu posto de preferida.

Não tenho medo, nem vergonha de dizer que a amo mais do que a minha mãe.

Assim como também não tenho a menor vergonha de estar, em pleno escritório, chorando ao escrever esse post.

"Vó Nora, minha amada, minha querida, minha mãe, vá com Deus. Siga para junto do Pai, Lá seus irmãos estarão te esperando. Não olhe pra nós, porque somos egoístas e estamos chorando sua falta. Olhe pra frente e veja que o Céu está em festa. Mais um anjo está voltando pra casa".

Da sua filhinha,

Andréa

4 comentários:

Elis Zampieri disse...

Lembrei da minha nona Maria enquanto lia seu texto e da sua salada de tomate, nunca comi uma salada igual a dela. Nada se compara a tempero de vó. Até o pão que ela fazia e não dava conta de comer antes que secasse era bom... velhinho. Fazem 15 anos que ela se foi e a saudade as vezes aperta. Vó é uma das coisas mais gostosas dessa vida e feliz de quem pode, (como você) conviver tanto tempo com elas.

Bjos.

Di Valente disse...

Dé, hj a terra está triste mas como vc mesma disse o céu está em festa por acolher alguém tão especial.
Não tive muito contato com sua avó, mas por suas palavras dá pra perceber que foi uma grande mulher.

Esse texto é pra vc ! Força Amiga...Bjs

"A morte não é tudo. Não é o final. Eu apenas passei para a sala seguinte. Nada aconteceu. Tudo permanece exatamente como foi. Eu sou eu, você é você, e a antiga vida que vivemos tão maravilhosamente juntos permanece intocada, imutável. O que quer que tenhamos sido uma para o outra, ainda somos. Chame-me pelo antigo apelido familiar. Fale de mim da maneira que sempre fez. Não mude o tom. Não use nenhum ar solene ou de dor. Ria como sempre fizemos das piadas que desfrutamos juntos. Brinque, sorria, pense em mim, reze por mim. Deixe que o meu nome seja uma palavra comum em casa, como foi. Faça com que seja falado sem esforço, sem fantasma ou sombra. A vida continua a ter o significado que sempre teve. Existe uma continuidade absoluta e inquebrável. O que é esta morte senão um acidente desprezível? Porque ficarei esquecido se estiver fora do alcance da visão? Estou simplesmente à sua espera, como num intervalo, bem próximo, na outra esquina. Está tudo bem!"

Robson Schneider disse...

Ei Andréa
minha avó esta na fase final tb... hoje vou dormir lá pra fazer companhia.Teve um derrame aos 96 e percebe-se o cansaço de viver... engraçado mas a morte nesse momento
parece ser pra ela a visita mais desejavel e esperada do mundo...
Isso tudo é muito estranho de presenciar embora faça parte de todos nós.
Bjo e força

Cintia Pagliuso disse...

Oi Deia querida, lendo seu post me lembrei da minha querida avó que tb se foi assim tão inesperadamente no dia 27/06/09 sem motivo ou diagnostico, mas analisando td podemos ter a certeza de que somos seres humanos abençoadas por termos tido o prazer de conviver com pessoas que exercem uma função que nos dias de hoje está em extinção, AVÓ - segunda mãe.
Bjs
Fique com Deus