segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Uma razão apenas.


Hoje, 23 de fevereiro, meu filho completa nove anos.

Isso significa que há exatos nove anos eu nascia junto com aquele pequenino bebê. Porque toda vez que nasce uma criança, também nasce uma mãe. No meu caso penso que foi muito mais do que isso: nasceu alí uma pessoa melhor, nasceu ali uma mulher.

Então, portanto, hoje também comemoro esses lindos anos de felicidade materna.

Nossa... me lembro como se tivesse acontecido ontem.

Lembro das sensações, da dor, dos cheiros.

Lembro também de uma certa tristeza. E essa eu nunca comentei com absolutamente ninguém.

Eu conheci o pai do Lucca num primeiro de abril. Corria o ano de 1999 e o feriado de Páscoa foi comemorado naquela data.

Eu estava sozinha há uns meses, desde que havia terminado um noivado (às vesperas de um casamento).

Algo me chamou a atenção naquele moço, mas eu não sei o que dizer exatamente o que foi. Ele não era necessariamente bonito, mas tinha um certo charme.

A coisa engatou aqui em São Paulo, depois do feriado. Tanto é que ele passou a frequentar minha casa, com o consentimento dos meus pais (que viam nesse relacionamento apenas uma aventura).

No dia 15 de junho daquele mesmo ano eu engravidei. Se foi absoluta falta de sorte, de atenção ou de cuidados, isso não vem ao caso. O fato é que eu estava grávida de alguém que eu não amava (e que certamente também não me amava), que tinha uma condição financeira muito aquém da minha, mas que prometia ao quatro ventos, me fazer feliz e ser um ótimo pai.

É mais que óbvio que isso não aconteceu, em nenhum momento sequer.

Não quis casar e talvez essa tenha sido a escolha mais sensata da minha vida. Preferi "depurar" meus pecados junto da minha família, na casa dos meus pais.

Tive uma gravidez de risco e tudo o que não precisava acontecer, aconteceu: desde cálculo renal aos seis meses de gestação, infecções, sangramentos constantes, algumas internações para que eu ficasse em "observação".

No entanto, o que mais doia mesmo era a carga emocional. Havia uma família inteira me recriminando, como se eu tivesse roubado e matado com requintes de crueldade. Ninguém, em nenhum momento, teve a ousadia de me perguntar como eu me sentia. Alí, e para meus familiares, só havia espaço para cobranças e ódio. Não tive um apoio emocional de lado algum.

Ok, concordo que nenhum pai ou mãe quer isso para uma filha. Eu tinha 24 anos quando engravidei, porém, vivia como se tivesse 18. Estava recém-formada em jornalismo, e acabara de ingressar em publicidade. Não trabalhava, só fazia uns freelancers.

Para ajudar, o pai do Lucca passou a me deixar sozinha. Viajava todos os finais de semana e sempre com diferentes companhias femininas. Na virada do ano de me deixou sozinha na praia, me negou comprar um doce, deixou que seus amigos me hostilizassem por pedir a ele que ficasse comigo.

Janeiro passou e precisamos comprar um berço, afinal, o bebê ia nascer em março. Ele comprou um modelo usado, deu umas duas demãos de verniz e o trouxe o móvel aqui para casa. Um dia antes ele comprou uma prancha de surf novinha em folha, que custava três vezes mais do que o berço.

Quando ele chegou aqui, viu o quarto inteirinho pintado de azul, todo arrumadinho, com enfeites e tudo mais o que um bebê podia precisar. Ele perguntou quem tinha feito tudo aquilo.

Tinha sido eu.

Eu mesma tirei o papel de parede do meu quarto, limpei as paredes, misturei as tintas e pintei todo o quarto. Mesmo com aquele barrigão todo, me senti feliz por estar fazendo algo para meu filho.

Bem, voltando ao assunto, quando eu vi o berço tive um ataque de ira, literalmente. Discuti feio com o pai do Lucca, atirava os parafusos nele, berrava impropérios. Ele ainda tentou se passar por ofendido, por magoado e disse que eu não merecia o esforço dele. Não me importei e vomitei tudo o que estava entalado há meses.

Ele foi embora e eu fiquei sozinha.

Daí começaram as contrações. Eu estava na 36a semana de gestação e creditei as dores e as contrações à descarga emocional.

Quando liguei para a médica, ela pediu para que eu tentasse aguentar até o amanhecer e que fosse monitorando as contrações.

Cheguei no hospital às 5h e fui direto para a preparação para o parto. Minha pressão estava altíssima, não havia um dedo de dilatação e as contrações estavam cada vez mais fortes. Conclusão: não pude ter parto normal. Isso me deixou chateada.

Fui conduzida para uma cesareana e na sala de pré-parto (aonde pais e mães ficam esperando o OK do médico para o procedimento) me vi sozinha, muito sozinha. A solidão só não me matou naquele instante porque havia meu filho. Essa foi a única razão, esse tempo todo, para que eu continuasse em frente. Mesmo sozinha.

Todas aquelas mulheres ali, com seus maridos e eu sozinha. Quando perguntavam sobre o pai do bebê eu dizia que ele não tinha coragem, que estava lá fora, emocionado. E eu nem sabia se ele, de fato, estava lá.

Fiz uma oração antes, pedi a benção para ser uma boa mãe, para que eu nunca estivesse longe do meu filho. No momento em que eu ouvi seu chorinho pela primeira vez, morri alí e nasci outra, melhor, invencível, forte. Cheirei meu filho inteiro para reconhecer minha cria, enquanto agradecia a Deus o melhor presente da minha vida

O Lucca nasceu às 8h48 do dia 23 de fevereiro de 2000, com 48cm, 3,120kg, aos oito meses de gestação. Doze horas depois da discussão acerca do berço.

Quando fui para o quarto, havia mais de10 pessoas lá me esperando, entre familiares e amigos. E eis que a porta abre e qual não foi a minha surpresa ao ver meu filho nos braços do seu pai. Logo o tomei para mim e pdi para que todos saissem dalí. Precisava ficar a sós com meu grande amor.

Até a enfermeira eu expulsei do quarto.

Cantei uma canção em seu ouvido e disse a ele o quanto eu havia esperado por aquele momento e como eu estava feliz por ter em meus braços meu filho tão querido.

Os anos se passaram e, de fato, infelizmente o pai do Lucca não foi legal e presente.

Faltou em muitos momentos, se recusou a dar o mínimo necessário. Negou presença, negou atenção. Tem negado até o material ultimamente por não dispor nem pra ele, segundo conta.

Hoje, quando meu filho está comemorando seus nove anos, dei presente, vou dar uma festinha, fiz mil agrados. Ele recebeu muitas ligações, recadinhos queridos no orkut.

Mas faltou algo: o pai dele não ligou. E ele sentiu por isso. Quis ficar sozinho o dia todo, não saiu, não foi brincar. Ele está melancólico.

O pai está na praia curtindo o Carnaval e, segundo a avó, que deu os parabéns para o neto, ele não tem créditos no celular para ligar. Mas teve dinheiro para pagar o pedágio, respondi.

Hoje posso dar tudo ao meu filho - desde o material até o amor maior. Só não posso fazê-lo se sentir completo por uma razão apenas: não há um pai neste dia.

E esse é motivo da minha tristeza hoje. Não é um marido que me falta, mas sim, a divisão dessa doce (e árdua) tarefa que é cuidar de um filho.
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Lucca, a mamãe te ama mooooooito (do jeito que você gosta que eu escreva). Tenho muito orgulho de ser sua mãe. Obrigada por ser meu filhinho. Obrigada por ter me escolhido, lá do céu (como você costuma contar), para eu ser sua mãe.
Feliz Aniversário!!

Um comentário:

Elis Zampieri disse...

Oi Andrea...Sei que sua história é a história de muitas mulheres-mães, que como você devem amar demais seus filhos para compensar a falta de um pai, mas não pude deixar de me emocionar, seu texto é comovente, lindo, ainda que triste.
Muita força para você e felicidades imensas ao Lucca.
Bjo grande!