Ontem eu levei meu avô para fazer compras.
Ele não tem carro porque, desde que seu automóvel foi roubado (era um Del Rey Ghia), optamos para que não dirigisse mais. Naquela época ele já sentia alguma deficiência em sua visão.
Com isso nos acostumamos a levá-lo às compras, ao banco, ao médico, e em qualquer outra atividade que exigisse algum tipo de transporte público.
Não que ele pedisse, aliás, muito pelo contrário.
Se ligávamos nos disponibilizando para uma carona, ele ficava furioso, não aceitava e dizia que não ia mais. Daí resolvemos aparecer "de surpresa" minutos antes dessas tarefas. E a coisa deu certo.
A minha avó há muito resolveu que não andaria mais. Por conta de feridas em suas pernas, causadas por tromboses, ela decidiu que não conseguiria andar de novo. E ficou em casa, com seus passinhos miúdos entre a saleta de tevê e a cozinha.
Por isso meu avô faz tudo. E nós acompanhamos de perto, mas sem inadir os espaço dele.
Meu avô fará 89 anos em novembro e minha avó fez 85 em fevereiro. Estão casados há 65 anos. Têm três filhos, oito netos e quatro bisetos (sendo que dois deles chegam ainda esse ano).
Meu avô ainda trabalha: é plantonista de imobiliárias, em casas de alto padrão, aqui na zona norte. Não admite parar de trabalhar porque também não admite que precisará da ajuda financeira de filhos e netos. Tem orgulho ainda. E algum vigor físico também.
Porém, mais do que isso tem amor. Um amor doido, enorme, imenso pela minha avó. Desde que se casaram, em 15 de julho de 1944, ele praticou com firmeza os votos dados diante do padre.
Ama e respeita a ela mais do que a si mesmo.
Mais do que um bom marido ou um bom pai, ele fez questão absoluta de mimá-la sempre.
Quando tinham ainda uma tranquilidade financeira, dava jóias, presentes, enfeites, perfumes. Lindos passeios, longas viagens, bons restaurantes, jantares românticos dentro de casa.
Flores, então, nem se fale! Posso dizer que ele deve ter comprado um latifúndio de rosas em tantos anos de casamento.
O incrível é que ele faz isso até hoje. Como só lhe sobrou a possibilidade das flores, toda semana ele aparece com um vasinho de violetas, fortunas ou até mesmo orquídeas. Às vezes chega com maços de rosas. Mas isso é só em datas especiais e acompanhado de charmosos cartões com declarações de amor.
Ele olha pra ela e ainda encontra a beleza. E seus olhos azuis denunciam isso. Cada gesto é pra ela. Tira forças de não sei onde para manter o conforto dela, que olha pra ele vê só a obrigação do jantar, das roupas limpas, da conversa.
Há muito perdeu a paixão, o encantamento. Chama-o de "Velho", reclama que ele não enxerga mais como antes por causa do glaucoma, indigna-se porque ele não ouve direito de um determinado ouvido, que é estabanado e não sabe mais comprar aquilo que ela gosta.
Pra ela, assim como para qualquer criança, os mimos em excesso fizeram mal. Pra ele, são como outdoors com gritos de Eu te Amo!
Mas ela sabe que o que tem em casa é jóia rara.
Brinquei com ela, outro dia, dizendo que se casou com o único homem perfeito da face da Terra: bonito, alto, olhos azuis, forte, educado e completamente apaixonado por ela. Sorrindo, ela me respondeu que sabia de tudo isso, mas lamentava que eles tivessem envelhecido. Principalmente ele.
Na hora fiquei indignada, afinal, todo mundo envelhece, oras! Imediatamente olhei pra ele que, placidamente lia seu jornal. Ela, percebendo a indiferença dele diante do comentário, tripudiou: "depois que ficou velho deu pra não escutar direito".
Quando fui embora, ele me acompanhou até a porta e eu perguntei: "Vô, o senhor não anda escutando bem? ". E eis que ele me respondeu: "Que nada! Escuto perfeitamente! Acontece que faço ouvidos moucos a uma série de coisinhas sem importância. Por isso prefiro que ela pense que sou surdo. Assim não perdemos o respeito um com o outro".
Sábia lição, Vô Mello...
Um comentário:
Nasceu mesmo! Me empolguei. Espero conseguir postar sempre! bjosss
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