segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Não sou estatística


Há uns seis anos atrás, conheci um moço dez anos mais velho do que eu. Ficamos enamorados um pelo outro em poucos dias de convivência, afinal, estávamos trabalhando juntos em um projeto. Demorou cerca de um mês para engatarmos um namoro.
A princípio ele era o que toda mulher sonha: atencioso, solteiro, carinhoso, presente. Em resumo, um lord.
Porém, o moço não tinha trabalho fixo e bebia muito e, como conseqüência, tinha terríveis ataques de ciúmes. Mas, passado o porre, ele voltava a ser o mesmo moço bonzinho, capaz de ninar um recém-nascido ou se emocionar com uma música clássica.
E assim o tempo foi passando e ele ficando cada vez mais insano: passou a ligar na minha casa de madrugada para saber se eu estava lá, não podia mais deixar meu celular desligado um minuto porque ele achava que eu estava fazendo alguma coisa errada, me seguia, botou gente de dentro do meu escritório para me vigiar e conseguiu minhas senhas de emails e orkut para monitorar meus relacionamentos. Sem contar que arrumava briga em qualquer lugar, com qualquer pessoa.
Até o dia em que eu não quis mais passar por situações constragedoras, nem ser ameçada. Sumi por um fim de semana e, na segunda-feira, depois de muito insistir, fui encontrá-lo para dizer que não queria mais nada e que cada seguisse seu caminho. O local era o mais inocente possível e, ao mesmo tempo, aparentemente seguro: o estacionamento de um supermercado de bairro, ao lado de um McDonalds e de uma Blockbuster.
O resultado só não foi pior porque consegui fugir. Ao ouvir que eu não queria mais nada com ele, que estava cansada daquela loucura, das bebedeiras, da falta de trabalho dele, o moço passou a me bater. E bateu tanto que tive descolamento do couro cabeludo na parte de trás da cabeça, próximo à nuca.
Com requintes de crueldade, ele segurava meus cabelos e batia minha testa no volante do meu carro. Quando parava, cuspia no meu rosto e me ofendia com os mais diversos palavrões. E eu pedindo que ele parasse com aquilo, que eu voltaria, que eu estava arrependida. Detalhe: ele não bateu no meu rosto uma vez, mas minhas costas e costelas ficaram completamente roxas, doloridas. O galo na testa era enorme. Por um "descuido", bateu minha boca no volante e meu lábio sangrou. Nesse momento consegui fugir do carro e, com o celular nas mãos, saí correndo e liguei para a polícia.
O atendimento foi péssimo. A pessoa do outro lado da linha queria saber a numeração da avenida que eu estava, queria saber se o outro estava alcoolizado, queria saber se eu poderia voltar para o supermercado enquanto uma viatura viria ao meu socorro. E isso poderia demorar uns 10 minutos. Detalhe²: o infeliz estava vindo atrás de mim enquanto eu falava com a polícia. Quando ele me alcançou, jogou me celular do outro lado da avenida e foi embora.
Detalhe ³: as pessoas que estavam no estacionamento e viram tudo isso nada fizeram para me ajudar, talvez, se apoiando na máxima "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher".
Me certifiquei de que ele não estava mais por perto, peguei o que sobrou do celular e voltei para o carro. Quando saí do estacionamento, vi um posto móvel da polícia perto dali - uns 100 metros - e me dirigi para lá.
Para minha surpresa, após contar o que havia acontecido, ouvi do policial que eu era estatística e que como eu, mais de uma centena de mulheres estavam apanhando naquele momento e, por fim, que quase 100% delas voltariam para o agressor no dia seguinte.
Fui embora sem prestar queixa, arrasada, envergonhada, me sentindo suja e muito triste.
As agressões continuaram por alguns meses, mas o assédio era moral: emails para meus amigos, scraps pornográficos e ofensivos, montagem de fotos com a minha imagem.
Levou algum tempo, mas eu tive coragem e fui denunciá-lo numa delegacia para mulheres. Fui recebida com todo respeito, me deram atenção, ouviram minha história, consideraram minhas provas e daí entraram com um processo de perturbação da tranquilidade e ofensa moral, porque a agressão física tinha acontecido uns meses antes.
Me senti gente, me senti forte, íntegra. Mais ainda quando ele foi formalmente citado e depois processado.
Na verdade, não deu em nada. Doou algumas cestas básicas e algumas horas de serviços à comunidade. E nunca mais me procurou. Ele talvez tenha aprendido a lição, mas não sei se sabe lidar com um grande e sonoro NÃO.
Daquele leão enfurecido, sobrou um gatinho manso. E aquela mulher agredida virou uma leoa e não se transformou em estatística.
Eu sobrevivi.


Eloá, descanse em paz.

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