quinta-feira, 9 de outubro de 2008

SAFADA

Não dormi quase nada de ontem pra hoje. Resultado: tô um caco, com umas olheiras "daquelas" boas...
Também não estou conseguindo me concentrar no trabalho.
Para espantar o sono, entre um bocejo e outro, fui fazer a ronda nos meus blogs preferidos e parei no do Fabrício Carpinejar, que lançou recentemente um livro chamado "Canalha". O livro surpreende a começar pelo nome, mas como o próprio autor explica, não se trata de uma ofensa, e sim, de um grau de evolução do homem. "O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. (...) Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo".
Daí, após o lançamento do livro (que eu ainda não comprei!!!), surgiu uma discussão. Qual seria o feminino do canalha??
A resposta está abaixo, num texto delicioso.
E, já que o Fabrício batizou, vou me despedir assim...

Beijos da SAFADA!!









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O EQUIVALENTE FEMININO DE CANALHA



Põe tarja rosa no lugar da preta.
Canalha tem um equivalente. Mais delicioso do que ele.
Se eu fico eriçado com Canalha, nem posso pronunciar direito seu sinônimo feminino. Transborda. É como, imobilizado, ser acariciado pelas pernas de uma mulher e investir inutilmente as mãos nas cordas.
Vou guardar para o final.
Os leitores debateram qual seria a encarnação depilada do canalha.
Surgiram várias provocações.
“Ingrata”? Elimino. Há uma ancestralidade negativa, não tem peso sexual. Atende a situações de desapego e desprezo. Ingrata é quem não dá o merecido.
Convenhamos, o canalha dá mais do que o merecido. Só não permanece. Some sem se despedir. Canalha nunca aparece morto, um dia pode voltar. É o Dom Sebastião do sexo. Os telefonemas vão rareando e, de repente, ressurge como se fosse ontem, disposto como da primeira vez.
O canalha sofre ataques de ternura. Nunca alcançamos o quanto ele vai durar - o que aumenta a intensidade dos encontros.
"Você é uma ingrata" soa como briga de comadres. Ou algo que o cabeleireiro confessa quando você não gosta da franjinha que ele inventou de última hora.
“Ordinária”? Um arcaísmo. Já era velho com Nelson Rodrigues. Não tem modernidade. Significa o cafajeste de saias. Sem diploma, não tem o cacife de um canalha. Foi trabalhar muito cedo.
Forte, contundente, mas clamor despossuído de continuidade. É empregado para qualificar as sessões nas Câmaras Municipais de Vereadores, o que liquida de vez sua prosperidade amorosa.
Ordinária não oferece esperança. Canalha tortura pela fé depois de torturar pelo amor.
"Você é uma ordinária" lembra despedida de novela mexicana dublada. Os lábios do ator fecharam e a ordinária nem terminou de sair da garganta. Conclusiva, trai a mímica. Um beco da linguagem.
Para expulsar uma amante e se internar em seguida numa clínica de desintoxicação.
"Vaca"? Não, é um complemento sexual. Um vibrador das palavras, não tem a regularidade da carne. Um apelo que pode ser usado de modo controlado. No ardor dos travesseiros. Aliás, um gemido abafado no travesseiro é a soberba do som. Um gemido sufocado é o mais alto gemido que o homem pode ouvir de uma mulher. Nossos orgasmos serão sempre surdos depois dele.
Você é uma vaca" não tolera a repetição. Vaca Vaca Vaca é arremate de leilão na tevê. Se a protagonista é peituda, sério risco de sofrer um processo por difamação.
O mesmo com as demais espécies. “Cadela” ou “Égua” dependem de uma oportunidade. São adicionais da investida. Deve deixar a mulher pedir. O apetite rural é conseqüência dos bons antecedentes urbanos da transa.
"Vadia"? Funciona unicamente no quarto. Na rua, será motivo de agressão.
"Ei, vadia, está furando a fila?" Não surte efeito.
O canalha é o coringa do charme, pode ser veiculado nas vias públicas e acessos íntimos.
"Ei, canalha, está furando a fila?" Ainda se manterá a normalidade do trânsito.
Vadia exige intimidade ou tesão descomunal.
Desembarcamos no ponto alto: se o canalha fosse mulher, seria SA-FA-DA. É o café cortado que faz par ao expresso. A pronúncia é igual. Aberta, com as vogais batendo três vezes nos dentes. Safada é o vodu da dicção. Alfineta a boca. Estala, como aldrava numa porta.
Quando o homem fala SAFADA, tem dificuldade para terminar. É derrotado pelo prazer. Prolonga ao máximo, como um guizo de uma cascavel. Depois de verbalizar, sente imediatamente uma saudade sonora.
Safada é expressão para morder, por mais que se queira lambê-la. Pode ser disparada no cantinho de trabalho ou numa roda de samba. É um elogio da malícia feminina, reconhecimento ao incontrolável temperamento. Com "sua" na frente é AVC. Não há como negociar prazos.
Repare: Sua Safada. O pulmão pede passagem. Mais consagração do que ofensa. Picardia na medida certa. Melodia que insinua e não limita o delírio.
Um sujeito somente diz quando reconhece que está sendo derrubado e nunca gostou tanto de ser masoquista. “Safada” é gritado como canalha. Ainda que num sussurro, ultrapassa o limite de 60 decibéis e deflagra a poluição sonora.
É um "não esperava" esperando. O cara restará idiota, com o rosto perplexo de quem pensa "nos conhecemos de algum lugar?" e não estraga o momento com essa pergunta. Traz uma autoridade milenar, um conhecimento secreto que não merecer ser revelado, muito menos questionado.
Safada é libertinagem ingênua, devassidão castiça. Safada é o que o homem encontrou para não entregar que está apaixonado.
Tente.

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